UMA SAÍDA A LA FRANCESA E O SEIXO DO FLORES - Edson Bezerra

         Antes de esmiuçar o ocorrido – a narrativa de um temendo seixo em um cambonense, o Alder Flores amigo das antigas – necessário se faz situar o personagem. O Flores, como o chamo, foi um morador da praça dos Martírios, e, enquanto tal, um cambonense. Filho do Dr. Alder Flores, um cidadão careca, de ar altivo e de voz grave, fazia parte de uma família, na qual apenas ele era o varão. Pois bem, o personagem em questão, era ávido em contar vantagens, e, em tudo, em tudo, vale repetir, ele queria ser o melhor. Mas, nem sempre se saia bem. Se gabava de ser bom de bola, o que no máximo era razoável, e, no que o chamavam de francês, a alcunha – era o que se dizia lá pelo Colégio Guido de Fantagallant – se devia ao fato de que, durante algum tempo – por algum tempo, é o que se supõe haja visto que hoje o personagem freqüenta altas-rodas – não era muito afeito lá às coisas de se tomar do banho. Daí a alcunha: francês.
            Pois bem, vantagens aqui, vantagens acolá, uma coisa na qual ele as vezes se dava bem, era com as mulheres, e dentuço que também era, sempre arrumava uma namorada. Todavia – e aqui é que se coloca uma de suas particularidades – o diabo é que ele dependia da opinião de alguns poucos para continuar os namoricos, e a coisa se desenrolava assim: quando ele arrumava uma namorada, ele submetia a beleza da escolhida a um seleto tribunal de júri, e, a depender da nota, ele, ou acabava ou continuava. Vê se pode?!!! Lembro-me bem de que um dia, ele ter arrumado uma garota bonitinha, porém, magra, e, quando um dia, todo alegre, a submeteu ao aludido tribunal: a nota foi seis. Um saco de osso foi o que se disse da beldade. Pronto: no outro dia, quando a garota toda airosa se fez esperar ao encontro, ele apareceu e sem maiores desculpas, lhe disse: dá certo não e, assim de pronto pôs fim ao encanto da donzela. E eu vou lá namorar com um saco de osso? Foi o que ele disse. Vê se pode?
Pois bem, eis que anos, muitos anos mais tarde e, já um assíduo freqüentador das altas rodas, e portador de muita lábia, eis que o Flores foi namorar nada mais nada menos com a ex-mulher de um Presidente. De um Presidente!!!.
No princípio, como era de se esperar, tudo era uma maravilha, e, por entre beijos e abraços e noites de amor incomensuráveis, as viagens, muitas viagens e no roteiro de uma dela, o destino foi a Grécia, e sendo ali, como todos sabem, o berço da filosofia, com certeza que os dois pombinhos não foram para ali navegar nos roteiros de Platão, mas, antes de mais nada, flanar, e, dentre os passeios, o passeio em um portentoso iate, em um dia ensolarado sob as bênçãos de um mar azul, e foi aqui que se deu o desenlace fatal.
A praia era Nicomos e o serviço de bordo, estava regado a Whisky sabe-se lá de quantas décadas, vinhos franceses regados a lagostas gigantescas, caviar e outros tantos pratos típicos das altas classes. O clima estava perfeito sob o mar azul, e o amor total e caliente e os carinhos tantos que, mesmo quando no iate entraram duas francesas e se mostraram em topless e o cujo disfarçadamente articulou nos olhos, óculos escuros, a sua amada, a Roseane, olhando-o de soslaio, e, complacentemente lhe disse: morzinho, cuidado viu?!!! Tô de olho, a sua mulher sou eu. Agora seja!! Pensou o marmanjo. Todavia, ficou quieto.
Pois bem, conversa vai, conversa vem, vinhos aqui, whiskies acolá, papos regados a viagens e visitações a parques históricos em meios a relatos de visitas à Miami e à Disneylândia, um grego que estava por lá a comandar a farra recebeu um telefonema. Educado, pediu licença ao seleto grupo, afastou-se um pouco e se prolongou no celular diálogos inescutáveis e incompreensíveis, vez que, o falar dele, além de estar falando literalmente em grego, estava tão baixa estava que até parecia um solilóquio. Pois bem, passado uns dez minutos, o grego avisou ao grupo:
            - Olha, recebi um telefone agora e vou ter que vou dar uma saída para resolver um assunto de extrema importância, mas, volto daqui a pouco.
Pois bem, foi-se o grego. Isto, pela altura do Sol, deveriam ser umas três  da tarde. Tudo bem. Como se diz hoje, a fila anda. Conversa vai, conversa vêm, um vinho – vinhos de décadas, que fique claro – aqui e outro acolá, lagostas, esturjões, pratos orientais e outras iguarias igualmente raras, o tempo passava, e, tome-se a pedir tira-gostos e tal, e, o tempo passando. Foi mais ou menos nesta hora que o nosso herói, o Flores, fez uma rápida anamnese e num raio lhe veio aos poucos cenas da infância, e pensou? Mas será possível?!! Será possível que está acontecendo isto comigo logo aqui? Logo aqui, pensou alto deixando escapar em palavras o pensamento.
- O que foi morzinho? Perguntou-lhe a amada. Alguma coisa que está te preocupando?
-Nada não meu bem, respondeu o nosso herói sem conseguir disfarçar de todo.
-Mas diga meu bem, insistiu ela.
-Nada não meu anjo, respondeu o cujo.
            Pois, bem. As horas foram passando, passando e por entre os vinhos e bebidas de todo tipo, e já quase trôpego, o nosso personagem pediu ao garçom um binóculo.
            - Prontamente senhor.
            Trouxe-o e o nosso herói põe-se a olhar primeiro para onde não devia: ao mar. Depois, disfarçadamente, como não quer nada, focou no que queria: a praia.
De pronto, a sua amada perguntou: você não está olhando aquelas peruas não é morzinho? Dizia isto ela afagando-lhes os cabelos, mas, ele, nada, parecia insensível aos afagos da amada. Isto já era um pouco mais de cinco da tarde. O Sol esmorecia, mas, a moçada do barco continuava tomando todas, afinal, fora o Grego que lhes havia convidado, e como sempre, uma boca livre, e, que boca!!! Também pudera, dizia-se por ali que ele era primo do Onassis, o tal milionário grego que casara com a viúva do presidente Kennedy, e, vejam só aonde o nosso personagem se metera!!!
            Pois bem, lá para perto das seis da noite, eles foram se saindo: goodbye, despediam-se assim um a um, de modo que, só restaram os dois pombinhos: ele e ela. Romântico não? Afinal, bem ali defronte deles, naquele mar lendário de Ulisses, estava a nascer uma tremenda Lua Cheia. Foi quando de repente, chega a figura – posto que inevitável todavia, não desejada  - do Garçom. E por entre todas as delicadezas possíveis vinha lhes avisar: Senhores, já estamos fechando, posso trazer a conta?
            Pronto, foi o fim!!! Era verdade: o grego, o tal primo do Onassis lhes passara, um seixo, um seixo, sim senhor e o prejuízo do amigo estava ali a olhos vistos: 12.000.00 reais. Doze mil reais, sim senhor. Meu Deus pensou ele, vou morrer. Começou a suar frio mas, discretamente disfarçou.
            - Vou ao banheiro meu bem, disse à amada.
            - Está sentindo alguma coisa morzinho, indagou-lhe a amada.
            - Não não, ta tudo bem. Volto já.
            Aquilo foi um martírio para o nosso herói e, neste momento só se lembrava da Praça dos Martírios. Lembrou-se ali – local mais que deslocado para se recordar de cenas de um quase de adolescente – da Praça dos Martírios e dos seixos que passava com a moçada, e então lhe passou pela cabeça as escapulidas dos bares, as quais, juntamente com o nego Zé Maria, do Chico do Nah e de tantos outros, eram feitas no meio de algazarras e porres que se multiplicavam, e, até mesmo lhe veio a cabeça Bernado, o grotesco e de todas as cachaças intermináveis. Todavia, ele estava ali, dando uma cagada – último esforço – para fugir, ou quem sabe, retardar aquela realidade. Mas não havia saída: doze mil reais!!! Doze mil reais repetia ele compulsivamente, puta que pariu, dose mil reais, repetia compulsivamente.  Todavia, e isto era uma certeza, não podia fugir daquele imbróglio, afinal, como alguém já o disse: o homem é um ser em situação e ele estava ali sozinho sendo devorado pelo prejuízo.  Mas, se eu estivesse sozinho – pensou ele – estes filhos da puta iam ver: eu saia desse barco a nado. A nado sim senhor, e, ficando ainda mais puto lembrou-se dos tubarões. Fodam-se os tubarões disse ele.
            Todavia, não havia escapatória: ou era o cartão de crédito ou o descrédito da amada. De modo que, ao voltar, puxou-o rápido da carteira e entregou ao garçom, e para não perder a etiqueta, ainda puxou do bolso uns dez dólares e deu de gorjeta e dali, de tão puto que estava escapuliu de um salto quase a despencar no mar.
            Pois bem, degustado o prejuízo, depois do jantar os pombinhos recolheram-se à cama, sem tesão algum, pelo menos da parte dele, afinal, o nosso herói afundara-se no sono.
            No entanto, no avançar das horas, lá pelas 12 h. da noite e ainda curtindo a ressaca, eis que a amada o acorda por entre afagos e beijos:
            - Benzinho, acorda, e ele: deixa eu dormir Roseane.
            -Não não benzinho, acorda.
            - Acordar prá que Roseane? Que horas são?
            - Meia noite.
            - Acordar prá fazer o que menina? To na maior ressaca!!!
            - Olha amor, a gente não pode deixar passar esta oportunidade.
            - Do que você está falando menina? Eu to de bode, escapuliu-se com esta descortesia desmerecendo a amada.
            - Olha morzainho, o Papapoulos – era este o nome do grego seixeiro – está com um helicóptero e acabou agorinha de me telefonar convidando a gente para dar um pulinho em Nova York
            - Prá onde Rosseane?
            - New York morzinho!!!
            E foi ai então que o nosso herói, mostrando-se um autêntico cambonense perdeu completamente a compostura e, em meios aos olhos vermelhos e o bafo de cachaça fuzilou:
            - Puta que pariu Nova York. E então de um rompante, levantou-se e fuzilou: Rosseane, você ta pensando que eu sou um milionário? Que eu posso andar pagando contas de doze mil reais, doooooose mi reais?!!!! Tá pensando que eu cago dinheiro? Puta que pariu!!!! Puta que pariu mil vezes!!!!
            Ponto, depois deste labafero e de cair na real ao ver a donzela amofinada e, depois de alguns avanços de conversa aqui e afagos adocidados e pedidos de mil desculpas, os dois pombinhos se acasalaram e sonharam que tudo aquele acontecido havia sido apenas  - não fosse pelos doze mil, - apenas  um grande imbróglio, e, por um breve instante sonharam – sabe-se lá como – que toda aquele cenário não havia sido ali por entre os gregos, e que tudo, ao invés dali, tinha se  passado por aqui na Ponta Verde beache, talvez quem sabe, tudo teria se passado por aqui,  no Le Corbu, e o nosso herói ainda outra vez se lembrava, sem saber exatamente porque,  do nego Fausto, do Zezo, do Chico Peido, do Zé Maria, do Geraldo Érico e de toda a maloqueiragem  que desde tempo imemoriais sempre se fez a Praça dos Martírios., e, foi pensando assim em todos os maloqueiros da Cambona que, naquela noite, sem saber exatamente porque, lhe acudiam todos os moleques, e, eles brincavam, zoavam, bebiam e cantavam por todo o resto do sonho, e, quando acordou, isto ele sentiu, era como se eles estivessem ali bem ali bem por perto por dentre algazarras e risos como se o mundo pudesse ser, mesmo ali diante dos mares gregos pudesse existir, mesmo que não coubesse, a velha e sempre Praça dos Martírios e seus encantos.

Comentários

  1. Gostei do conto, divertido e típico do personagem, muito bem retratado. Quase que dá para sentir os odores e sabores do ambiente ali descritos. Parabéns, Edinho, ou melhor, Bananola. Brinde-nos com outros desse. Botinha

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  2. Foi uma viagem esse conto do Edson, tipico das safadezas que o Flores com certeza aprontaria. Parabéns ao mano Edson, que viagem.

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